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SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é
pós-moderno.São Paulo: Brasiliense, 2008.
Sobre o autor
O autor do livro, Jair Ferreira dos Santos, se
apresenta como poeta, ficcionista e ensaísta. Ele também escreveu o livro de poemas A faca serena (1983) – premiado pela Associação Paulista de
Críticos de Arte – os contos A Inexistente Arte da Decepção (1996, Agir) e Kafka na cama (1980, Civilização Brasileira), o
ensaio Breve, o pós-humano: ensaios contemporâneos (2002, Francisco Alves) e, mais
recentemente, o livro de contos Cybersenzala
(Brasiliense, 2006) que teve um de seus contos adaptado ao teatro.
Sobre a obra
Em entrevista, Santos explica que o livro O que é o pós-moderno é fruto de uma pesquisa de mestrado
inconclusa. Seu objetivo declarado ao transformá-la em livro foi produzir algo
próximo ao conceito de “haute vulgarisation” (alta popularização), isto é, uma tentativa
de tratar um conceito complexo de maneira simples para uma grande quantidade de
pessoas. Até fevereiro de 2008, haviam sido vendidos 120.000 exemplares desta
obra que pertence à Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense. O número de exemplares vendidos que
provavelmente se tornou ainda maior ao longo dos últimos anos é expressivo para
as características do mercado editorial brasileiro principalmente se
considerarmos que é um trabalho de natureza teórica.
O autor faz uso de uma linguagem coloquial para tratar de um assunto
quase sempre denso e hermético para os neófitos e, neste sentido, se aproxima
do público leitor. O pós-moderno, conceito sobre o qual não existe consenso até
os dias atuais, é tratado de forma simples e direta. Pode-se afirmar que o
autor faz uso inclusive de um tom bem-humorado e irônico através dos vários
exemplos que traz para ilustrar a contemporaneidade.
O autor parece escrever “de dentro” dos anos de 1980, ou seja, a partir
de referências muito localizadas da época, tendo por base o cenário social e
cultural brasileiro. Referências automobilísticas como o Monza e versos de
músicas do período são utilizados, entre outros exemplos, para compor o clima
da enxurrada de novidades que nos foram apresentadas nesta década marcada pelo emblemático
marco da queda do muro de Berlim.
Estrutura
O livro é dividido em sete capítulos nos quais a temática da
pós-modernidade é tratada sob diferentes ângulos.
Em Vem comigo que eu te explico no caminho, Santos encaminha uma
primeira definição sobre pós-modernismo nascente nos anos de 1950, nas
sociedades "avançadas" (pós-industriais). Cada década seguinte parece emprestar
uma nova faceta ao fenômeno de reconstituição da sociedade até os anos de 1980
(década de redação do texto).
O autor identifica a união da técnica com a ciência, a tecnociência, que
programa o nosso cotidiano. O fantasma
pós-moderno (termo de Santos) circula por toda parte através da invasão
eletrônica do cotidiano. No plano coletivo e individual, os meios de
comunicação como a televisão saturam nossa vida com informação, entretenimento
e serviços, assim como o tratamento computadorizado faz com lidemos mais com
signos do que com coisas. Santos explica como fomos marcados pela busca do
simulacro ao ponto dos limites entre real e imaginário praticamente se desfazerem
na atualidade. Os meios tecnológicos de comunicação auxiliam na edição do real ao
hiper-realizarem o mundo.
O capítulo Do boom ao bit ao blip retoma os ideais do Projeto do
Iluminismo para explicar as características das nações capitalistas dos séculos
XIX e XX. A sociedade industrial (capitalismo moderno) ou como diz o autor, a dama de ferro é regida pela ideia de
progresso e expansão. A sociedade pós-industrial se diferencia essencialmente da
sociedade industrial (produtora de bens materiais) pela ênfase dada ao setor de
serviços. Neste novo cenário, as tecnologias avançadas desempenham papel
preponderante e a informação é seu maior bem. A desmaterialização da economia
pela informação constitui o próprio cenário pós-moderno.
O autor recupera a ideia de que a tecnociência programa nossa vida ao
afirmar que o ambiente pós-moderno é tomado pela cibernética, a robótica, a
biologia molecular, a medicina nuclear, entre outras áreas de desenvolvimento
tecnológicas. Santos afirma que o real é fragmentado e jamais volta a formar um
todo coeso. A vida no ambiente pós-moderno é uma constante de estímulos
desconexos. Novas estrelas surgem neste cenário: o design, a moda, a
publicidade, entre outras áreas de atuação sobre a sociedade.
Do sacrossanto não ao zero patafísico é um capítulo que apresenta
a questão da arte. Santos estabelece uma relação direta entre sociedade
industrial e modernismo da mesma maneira que relaciona sociedade pós-industrial
e pós-modernismo. O modernismo é considerado a crise da representação mimética
da realidade. No lugar de representar,
o artista moderno passa a interpretar
a realidade. Santos toma a Pop Art
com suas referências à comunicação massificada e produtos industrializados para
fazer a passagem para o pós-modernismo. Este movimento realiza a definitiva fusão
entre arte e vida. A antiarte pós-moderna apresenta
a vida através dos objetos no momento,
na matéria e no riso.
Em Anartistas em Nuliverso Santos afirma que o artista pós-moderno
se sente bem na desordem e abre frentes de trabalho paralelas. O autor cita uma
série de manifestações artísticas nas quais diversas formas de expressão
artísticas vieram sendo desestetizadas,
desdefinidas e, por fim, desmaterializada. Algumas marcas são
identificadas nessas iniciativas: a reação à racionalidade, o ecletismo, a
fantasia, o humor, a valorização da cultura popular, a comunicação direta, a fusão
com a estética de massa, o uso de materiais não artísticos, a intertextualidade
etc. Os pós-modernos levam a sério a fusão entre arte e vida e suas
performances e intervenções tomam lugar tanto em galerias como nas ruas. Santos
evidencia a paródia e o pastiche em manifestações como a Transvanguarda. O niilismo também invade a cena artística.
O capítulo Adeus às ilusões é voltado para a face filosófica do
pós-modernismo. Santos diz que o pós-modernismo está associado à decadência das
grandes ideias, valores e instituições ocidentais como Deus, a Razão e as
verdades totalitárias, entre outros conceitos. Neste sentido, ele enxerga duas
frentes encabeçadas pelos filósofos pós-modernos. A primeira aponta para o
caminho da desconstrução dos
princípios e concepções do pensamento ocidental. A segunda caminha para o
desenvolvimento e valorização de temas antes considerados menores na filosofia
como o desejo, a sexualidade, o cotidiano, entre outros assuntos. O pensamento
de alguns filósofos e pensadores como Nietzsche, Derrida, Guattari, Lyotard é
mencionado nesse capítulo.
Em A massa fria com Narciso no trono o autor afirma que um novo estilo
de vida é experimentado pelo indivíduo pós-moderno que é consumista, hedonista
e narcisista.
Seduzida e atomizada pelo mass
media a massa vive no conformismo – vive sem as tradições do passado e sem
um projeto futuro. Santos nomeia algumas deserções empreendidas pela massa
pós-moderna: deserção da história; deserção do político e ideológico; deserção
do trabalho; deserção da família; deserção da religião.
Em função do enfraquecimento dos valores e instituições tradicionais, o
consumo, o mass media e a
tecnociência veem exercendo a motivação e o controle da sociedade pós-moderna
(massa e indivíduos). O bombardeio de mensagens que excitam os desejos é a
forma de motivação e controle dessa massa ultrafragmentada.
As imagens veiculadas são criadas visando a espetacularização da vida, à
simulação do real e à sedução do sujeito. O autor nomeia o indivíduo
pós-moderno de narciso sem substância
(neo-individualismo) que diferentemente do burguês moderno, não adere aos mitos
e ideais da sua sociedade.
Em Demônio terminal e anjo anunciador, capítulo de fechamento do livro, Santos retoma as principais noções tratadas ao longo do livro e
introduz a questão da condição pós-moderna – como as pessoas sentem e
representam para si mesmas o mundo que vivem. A dificuldade de representação do
mundo na atualidade se dá porque o pós
é repleto de des:
desreferencialização, desmaterialização, desestetização, desconstrução, despolitização
e desubstancialização. Não possuímos mais identidades fixas e a organização necessária
à representação se torna complexa. No lugar do ou, institui-se o e. Nós
somos uma coisa e outra ao mesmo
tempo. O sujeito pós-moderno compreende o conjunto de e,e,e,e formado por
pequenas vivências fragmentárias.
Por fim, aparentemente ciente da limitação de sua obra, Santos encaminha
uma pequena relação de referências bibliográficas nacionais e estrangeiras. As
traduções para o português de livros sobre a pós-modernidade ainda eram raros
nos idos dos anos de 1980 e sua listagem de livros poderia ser
consideravelmente ampliada na atualidade.